Na última edição de Alumínio, a reportagem Por um rodar leve e sustentável mostrou que a busca por veículos menos poluentes tem impulsionado o uso do alumínio pelas montadoras brasileiras — reflexo de uma tendência mundial. No entanto, em meio a esse processo, uma disrupção que já começou na indústria automobilística também deve ser vista com bons olhos por nosso segmento — e há vários motivos para isso. Estamos falando da eletrificação dos veículos.
Essa não é uma tecnologia nova. Foi criada no final do século 19, praticamente junto com o motor à combustão. No entanto, uma dificuldade que ainda hoje gera discussão e estudos inviabilizou o seu uso à época: a autonomia das baterias. Mas o avanço da tecnologia, somado à preocupação cada vez mais nítida da sociedade com a preservação do meio ambiente, fez com que ela voltasse com força, impulsionada inclusive pela COP-21, conferência do clima promovida em 2015 pela Organização das Nações Unidas (ONU), em Paris. O acordo histórico envolve quase todos os países do mundo em um esforço para reduzir as emissões de poluentes e conter os efeitos do aquecimento global.
Nesse contexto, nações já estabeleceram metas para terem em suas malhas apenas automóveis movidos à energia elétrica: Noruega (2025), Índia (2030), Reino Unido e França (ambos em 2040) são algumas delas. A China deve anunciar uma data em breve.
Mais dados que corroboram essa tendência: a consultoria sueca EV Volumes afirma que, em 2018, o estoque total de veículos elétricos e híbridos poderá chegar a 5 milhões de unidades em todo o mundo — contra 3,3 milhões em 2017. A Agência Internacional de Energia (IEA) projeta que em 2040 teremos 280 milhões de carros do tipo no planeta.

No Brasil
De acordo com a Associação Brasileira de Veículos Elétricos (ABVE), o mercado mundial de carros movidos à eletricidade deverá ser liderado pela China, seguido por Europa e Índia, com os Estados Unidos em 4º lugar. “Nesses locais, a mobilidade elétrica está se desenvolvendo graças a um amplo conjunto de medidas tributárias e não tributárias que incentivam a transição rumo à economia verde. No Brasil, no entanto, ações do tipo ainda são tímidas, dispersas e pouco coerentes entre si”, diz o presidente da entidade, Ricardo Guggisberg.
Em julho, o governo federal lançou o programa Rota 2030, que estabelece as bases de uma política industrial do setor automobilístico pelos próximos quinze anos (leia mais sobre o assunto na página 10). O programa traz incentivos para a consolidação dos veículos elétricos e híbridos no Brasil, oferecendo alíquotas do IPI de 7% a 18% — antes, era de 25%. “Foi um avanço, sem dúvida, mas ainda ficou distante das necessidades”, avalia o presidente da ABVE.
Além disso, os Estados do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco e Rio Grande do Sul dão isenção de IPVA para carros desse tipo, enquanto São Paulo, Rio de Janeiro e Alagoas cobram menos.

Na cidade de São Paulo, entrou em vigor, em julho deste ano, uma lei que fixa metas inéditas para o transporte público no País, prevendo cortes de emissões de poluentes dos ônibus municipais e dos veículos de coleta de lixo: as emissões de gás carbônico (CO2) da frota de ônibus deverão ser reduzidas em 50% em dez anos e zeradas em até vinte. Hoje, 98% dos 14.400 ônibus de São Paulo ainda seguem com motores a diesel. Trata-se da maior frota de ônibus do País e da 3ª maior do mundo, que, em 2028, pode ser toda elétrica. Municípios como São José dos Campos (SP), Campinas (SP), Volta Redonda (RJ) e Brasília (DF), por exemplo, também já estimulam a eletrificação de seus veículos públicos.

“Pela maior consciência da sociedade sobre os danos causados pela poluição, os governantes brasileiros, principalmente municipais e estaduais, estão entendendo a importância de tema e tomam algumas atitudes nesse sentido, embora o preço do veículo elétrico no Brasil ainda seja muito caro”, afirma Raul Beck, membro da Comissão Técnica de Veículos Elétricos e Híbridos da SAE Brasil. “Fizemos um estudo e vimos que, se o governo oferecesse subsídios significativos para a aquisição de elétricos, teríamos, em 2030, 40% da frota nacional eletrificada ou híbrida. Sem o estímulo, projetamos algo em torno de 20% a 25%”, revela. Segundo a Organização Mundial da Saúde, são mais de 50 mil mortes atribuíveis à poluição em todo o Brasil. A eletrificação, dentre outros benefícios, pode diminuir os custos com a saúde pública.
Onde entra o alumínio?
Gerd Götz, diretor da European Aluminium, aponta que os veículos elétricos são grande impulsionadores da aplicação do metal pela indústria automobilística. “Já está havendo uma mudança na maneira como o carro é pensado e produzido e nosso segmento deve estar atento para participar do processo, oferecendo soluções”, alerta.
A lógica é a mesma dos veículos à combustão, o que muda são os ganhos. Enquanto no último o menor peso do metal propicia menos emissão de poluentes, nos elétricos ele ajuda no aumento da autonomia da bateria (quanto mais pesado o carro, mais carga elétrica ele consome). E o melhor: de acordo com um estudo da CRU, os elétricos e híbridos devem levar até 27% mais alumínio do que os carros convencionais.
Segundo Fernando Wongtschowski, gerente de Estratégia Comercial e Marketing do Negócio Transformados da Companhia Brasileira de Alumínio (CBA), já há tecnologia para o desenvolvimento de diferentes soluções. Peças extrudadas são usadas na área estrutural, como no sistema de para-choques, suporte de painel de instrumentos e barra de proteção lateral das portas, dentre outras. “Estamos preparados para absorver toda a evolução dessas tecnologias por meio de ligas de alta resistência que, associadas ao alumínio extrudado, garantem o desempenho adequado às aplicações estruturais automotivas”, afirma.
No frame das baterias, que representam mais de 20% do peso de um veículo elétrico, ele explica que o alumínio extrudado destaca-se como a melhor solução, garantindo estanqueidade, devido à sua elevada liberdade geométrica na comparação com o aço. Dado apresentado na S&P Global Platts Aluminium Conference 2018, em Düsseldorf, Alemanha, indica que os elétricos devem ter pelo menos 342% a mais de peças do metal extrudado em sua estrutura.
Sobre os laminados, Guilherme Superbia, gerente de Marketing e Excelência Comercial da Novelis, indica que a média de uso no Brasil é de 45 kg por unidade. “Para o body in white [estrutura do carro antes de ele receber motor e peças de acabamento], os laminados de alumínio ainda não são tão presentes na América do Sul”, justifica. “Mas, no caso dos elétricos, estimamos o uso de cerca de 400 kg, permitindo uma redução geral de 250 kg no peso do carro — em relação ao aço.”
A empresa acredita no potencial do mercado nacional, principalmente com a crescente busca por soluções mais sustentáveis. Suberbia lembra que a Novelis atua como parceira em desenvolvimentos de soluções para seus clientes no exterior. “Especificar a matéria-prima é somente o primeiro passo. O trabalho feito para o Ford F-150, estabelecendo um processo de reciclagem em ciclo fechado, é um exemplo”, cita. Globalmente, ele recorda o acordo firmado pela Novelis no ano passado com a chinesa NIO para a entrega de soluções inovadoras para modelos premium. “Este ano, anunciamos o fornecimento de alumínio para a London Electric Vehicle Company (LEVC), que desenvolveu o TX, um táxi com carcaça de alumínio e com zero emissão de gases nocivos. O uso de chapas foi incorporado para ajudar na redução de peso e, com isso, aumentar a autonomia do veículo”, comenta.

O Grupo Recicla BR, que por meio da Auto Parts fornece alumínio para o setor automotivo, acompanha o crescimento do mercado de veículos elétricos e entende as mudanças no segmento. Por isso, faz investimentos constantes em tecnologia para atender as montadoras. “Estamos desenvolvendo um centro de pesquisa voltado 100% para o alumínio, no qual poderemos desenvolver, em parceria com as montadoras, novas tecnologias na forma de alumínio injetado, extrudado, laminado, estampado, dentre outros”, revela o diretor Ocimar Bulla. “Acreditamos que, dessa forma, estaremos na vanguarda do fornecimento do metal para as empresas.”

Instalada no Brasil desde 2014, a chinesa BYD, maior fabricante de veículos leves e ônibus (ambos elétricos) do mundo, aposta no fortalecimento desse mercado por aqui a partir de 2020. “O País tem um dos maiores mercados automotivos do mundo, uma matriz de energia limpa e irradiação solar abundante. Resolvemos investir aqui antes da consolidação dos veículos elétricos para já participar de projetos piloto e ajudar no desenvolvimento do mercado. Até o final do ano, teremos ônibus elétricos em dez cidades brasileiras”, relata Adalberto Maluf, diretor de Marketing, Sustentabilidade e Novos Negócios da BYD Brasil. Ele confirma as oportunidades para o nosso segmento: “Para nós, é bom ter o máximo possível de alumínio nos veículos a fim de reduzir o peso; usamos nas rodas e em partes da carroceria, mas temos estudos desenvolvidos no exterior para usar o metal no eixo, substituindo o aço”.
Preço da bateria deve cair
As baterias citadas no começo da reportagem, que sempre foram vistas como empecilho para a massificação desses carros, evoluíram bastante. Segundo Raul Beck, da SAE Brasil, enquanto em 2010 o quilowatt por hora custava US$ 1.000, hoje custa cerca de U$ 200; em 2025, custará U$ 109; e, em 2030, chegará a U$ 73 — abaixo de U$ 100, esses carros tornam-se competitivos com os veículos à combustão. Essa redução se deve a três fatores:
– Avanços tecnológicos, com a substituição de materiais mais caros por mais baratos
– Melhoria nos processos de produção
– Maior volume de produção e vendas
Números e curiosidades dos veículos elétricos no Brasil
– De 2012 a junho de 2018, o estoque total de automóveis elétricos e híbridos no Brasil, incluindo ônibus, é de 9 mil veículos.
– Os 9 mil VEs hoje existentes no País representam apenas 0,02% dos 43,4 milhões do estoque total de autos, caminhões, ônibus e comerciais leves.
– Recentemente, foi inaugurada uma “eletrovia” com seis postos de recarga na Via Dutra, cobrindo todo o trajeto entre São Paulo e Rio de Janeiro.
– Em 2017, foram vendidos 3.296 veículos elétricos leves no Brasil. Neste ano, até julho, 2.206 já foram emplacados — 66% do total do ano passado.
Fontes: ABVE e Anfavea