A Associação Brasileira do Alumínio (ABAL) e nove entidades que representam os grandes consumidores e concessionários de gás divulgaram uma carta aberta a respeito de algumas leis estaduais, além de um projeto de lei (PL), que colocam em risco o novo mercado nacional do gás, regulamentado em 2021 e visto com bons olhos para tornar a indústria nacional mais competitiva.
“O marco regulatório é fundamental para a redução dos preços da energia elétrica para a indústria, fator importante para a contínua retomada da produção de alumínio primário no Brasil”, frisa a ABAL em post divulgado nas redes sociais.
Sobre a legislação
Regulamentada em junho de 2021, a Nova Lei do Gás (nº 14.134) mudou a forma de atuação dessa indústria no Brasil com relação ao transporte, escoamento, tratamento, processamento, estocagem subterrânea, acondicionamento, liquefação, regaseificação e comercialização, promovendo maior concorrência.
Na prática, a legislação visa a baratear a energia com o fim do monopólio da Petrobras sobre o gás natural e possibilitar maior atração de investimentos para que o setor impulsione o crescimento econômico do país. No entanto, para entrar em vigor, era necessário que cada estado aprovasse um decreto alinhando suas leis à norma federal.
Falta de harmonização
Segundo a carta aberta divulgada pelas entidades, os estados de São Paulo, Paraíba, Maranhão, Pernambuco, Piauí e Ceará já estão com as suas leis aprovadas, enquanto um PL tramita em fase final no Rio Grande do Norte. No entanto, algumas dessas normas foram elaboradas com pouca publicidade e de forma rápida, o que dificultou o debate entre as partes envolvidas.
Nesse sentido, essas legislações estaduais confrontam a norma federal, de forma integral ou parcial, ao:
- Introduzir definição de gasoduto de distribuição que se sobreponha ou seja conflitante com os critérios de definição dos gasodutos de transporte;
- Atribuir às agências de regulação estaduais a classificação de dutos novos e reclassificação dos existentes;
- Impor requisitos demasiadamente limitantes ou processos demorados para migração do consumidor para o mercado livre;
- Criar taxas e encargos que oneram as transações do mercado livre;
- Se sobrepor à regulamentação da atividade de comercialização de gás, já tratada pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
“Assim, faz-se mister que os estados ampliem as discussões sobre esses temas e evitem retrocessos e conflitos com a legislação federal que dificultem ou tornem mais lentos os processos de abertura do mercado de gás”, diz o documento.
No pior dos casos, analisam os signatários, pode haver judicializações não desejáveis em um mercado que está se abrindo e necessita de segurança jurídica.
Avanços até o momento
Em abril, completa um ano desde a aprovação da Nova Lei do Gás, com algumas evoluções a partir de sua regulamentação no ano passado.
Segundo Adrianno Lorenzon, diretor de Gás Natural da Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), alguns instrumentos previstos na lei começaram a ser implementados em 2021, como o acesso de terceiros ao transporte e às plantas industriais para processamento de gás natural (UPGNS).
“Mas isso ainda ocorre de forma tímida, pois depende de regulamentação mais detalhada da ANP. De qualquer forma, a abertura do mercado iniciou. Temos os primeiros contratos com distribuidoras e consumidores fora do regime anterior. Os preços negociados já se mostram mais competitivos”, ressalta.
Os movimentos iniciados no ano passado devem ser sentidos em 2022. Cerca de 10% do volume adquirido pelas distribuidoras está vindo de outros produtores, que não a Petrobras.
“A indústria de alumínio terá condições durante este ano de buscar seus fornecedores e negociar seus próprios contratos”, ressalta Lorenzon.
Os novos investimentos do setor vão depender da competitividade do gás natural, o que será possível verificar em larga escala a partir de 2024, quando começar a exploração do pré-sal.
No entanto, para que a execução desses novos projetos aconteça, os produtores e consumidores já devem começar a conversar e negociar.
Energia essencial para o alumínio
Por fazer parte de toda a cadeia de produção do alumínio, o gás natural é um dos principais insumos da matriz energética da Companhia Brasileira de Alumínio (CBA), sendo utilizado nas plantas paulistas de Alumínio e Araçariguama, além de na unidade pernambucana de Itapissuma. O fornecimento da energia para a companhia é majoritariamente de origem nacional.
“Existem algumas questões que precisam ser regulamentadas para que os efeitos da Nova Lei do Gás sejam percebidos pelas indústrias de alumínio, como a regulamentação do transporte, que ainda carece de diretrizes para os contratos firmes, o que tem gerado alto custo para a contratação do transporte no mercado aberto. A princípio, a previsão dada pela ANP é de que haverá chamada pública até o fim do terceiro trimestre de 2022”, comenta Roseli Milagres, diretora de Supply Chain da CBA.
Na Novelis, o gás natural também é um insumo fundamental, especialmente para a reciclagem do alumínio, sendo utilizado em vários processos, como fusão de sucata, alumínio secundário e ligas nas plantas de Pindamonhangaba e Santo André, ambas em São Paulo.
A reciclagem reduz em 95% as emissões de gases de efeito estufa (GEE) e a utilização de energia elétrica, quando comparada à produção do alumínio primário. O gás é fundamental para a transformação do metal sólido em líquido — nessa etapa, importantes processos químicos garantem a especificação final do produto.
“Após a regulamentação da Nova Lei do Gás, as expectativas são positivas, porém ainda incertas. O mercado encontra-se em fase de maturação e existem dúvidas fundamentais ligadas à harmonização das leis estaduais e dos agentes envolvidos para maior conectividade da rede de abastecimento”, afirma Bruno Alves Lopes, comprador de Energia na Novelis.
Troca de combustível
Em dezembro de 2021, a multinacional de origem norueguesa Hydro anunciou que vai promover a troca de óleo combustível pesado por gás natural na refinaria Alunorte, em Barcarena (PA), a partir do primeiro trimestre de 2022.
Com custo de R$ 1,3 bilhão, o projeto deve entrar em operação em 2023 e reduzir as emissões anuais de CO2 em 700 mil t. A iniciativa é fundamental para a estratégia climática da companhia e o compromisso global de redução das emissões de gases do efeito estufa (GEE) em 30% até 2030.