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Opinião: O Brasil não pode ser um eterno exportador de commodites

Para Milton Rego, presidente-executivo da ABAL, País precisa melhorar competitividade e participar do mercado exterior

Milton Rego*

Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal

Adoro Portugal. Mesmo assim, espero que a profecia imaginada no refrão de Fado Tropical, que usei no título, genial composição de Chico Buarque, não se concretize. Explico. Os brasileiros hoje têm todos os motivos para invejar os patrícios. Nas últimas décadas, Portugal floresceu. Fez reformas, tornou-se uma das sociedades mais pujantes e um dos destinos mais charmosos e procurados da Europa. Economicamente falando, porém, o país é dependente do binômio agricultura/serviços, que responde por 78% do PIB.

Será que esse modelo vale também para o Brasil? Duvido. Se quiser ter futuro, dar emprego para mais de 120 milhões de almas economicamente ativas ­–a população de Portugal soma pouco mais de 10 milhões de pessoas–, o Brasil não pode prescindir de sua indústria, de uma indústria sólida e relevante.

Mas, ao que parece, e no que depender da atual equipe econômica, nos manteremos como um imenso Portugal, ou como um Chile, quem sabe: um eterno exportador de commodites –minério de ferro, carnes e grãos– atividades de capital intensivo e que geram poucos empregos.

O ministro Guedes e seu time rezam pela cartilha neoliberal, o receituário prescrito pelas nações desenvolvidos para ditar os rumos da economia mundial desde os anos 1980.

“Durante anos, nosso governo gastou demais, regulamentou demais, fazendo com que nossas taxas de crescimento diminuíssem e nossa inflação e taxas de juros aumentassem. Tomamos medidas ousadas para corrigir esses problemas e estamos confiantes de que terão sucesso –não amanhã nem na próxima semana, mas nos próximos meses e anos.”

A citação, que cabe na boca de qualquer membro do primeiro escalão econômico de Brasília, é de Ronald Reagan, republicano que governou os Estados Unidos entre 1981 e 1989.

A turma defende a abertura econômica irrestrita como remédio milagroso, espécie de hidroxicloroquina a curar o setor produtivo nacional da sua incompetência atávica: submetida à concorrência externa, a indústria seria obrigada a elevar a produtividade. Produziríamos melhor e mais barato. Na ponta, o consumidor pagaria menos e todos seríamos felizes para sempre. Pena que a realidade desafie essa equação virtuosa.

Mesmo antes da pandemia, o mundo vinha se fechando em políticas protecionistas. A beligerância comercial entre Estados Unidos e China talvez seja o maior exemplo dessa tendência, que só se acentuou com a disseminação da covid-19 pelos quatro cantos do planeta. Além de se recusar a ver o que está acontecendo, Brasília insiste em disseminar a ideia de que somos uma economia impermeável, com um mercado superprotegido.

De fato, o país necessita com urgência aumentar o fluxo do seu comércio internacional e sua inserção nas cadeias produtivas globais. O que se discute, como sempre, é maneira de realizar essa operação. A indústria nacional pode e quer participar do mercado exterior, mas precisa primeiro de condições para melhorar a sua competitividade, o que passa pelo estabelecimento de uma política industrial digna do nome, que não tem nada a ver com protecionismo nem com “campeãs nacionais”, como insistem desonestamente muitos neoliberais.

No início de março, a Associação Brasileira do Alumínio (ABAL) apresentou ao Ministério da Economia um estudo encomendado à Fundação Getúlio Vargas, que analisou a cadeia produtiva do alumínio brasileiro frente à concorrência internacional. E os números mostram que, ao contrário do que se apregoa, o alumínio nacional paga mais imposto quando comparado ao importado. Na metalurgia do metal, a carga tributária sobre o produto nacional é de 35,2% contra 22,4% para o produto importado. Nos produtos de alumínio, a discrepância é ainda maior: 34,3% para o artefato nacional contra 15,3% para o importado.

O exemplo mostra o quanto colocar o país no extremo oposto da régua que mede o grau de liberalismo se revela uma perigosa dissociação da realidade. Esse liberalismo monotônico, no momento em que existe excesso de oferta no mercado internacional e dose similar de indefinição provocada pela pandemia, pode ser visto nas discussões sobre um acordo de livre-comércio entre o Mercosul e a Coreia do Sul.

O país asiático é o segundo maior alvo global de ações antidumping e direitos compensatórios por subsídios com impacto nas exportações, perdendo apenas para a China. A abertura do nosso mercado para a Coréia irá fragilizar ainda mais a indústria e, de novo, o único setor beneficiado será o agronegócio.

A Coreia, é bom lembrar, não se desenvolveu franqueando ao mundo livre acesso ao seu mercado interno. Pelo contrário. Como anota o economista coreano Ha-Joon Chang em seu livro Bad Samaritans, o sucesso das exportações de seu país foram o resultado de uma política prévia de fomento à atividade industrial e de proteção tarifária.

Não se trata de criar barreiras, tão pouco defender o atraso. Mas abrir a economia sem método nem salvaguardas pode ser a pá de cal para o debilitado setor produtivo nacional. E, assim, como dito no título deste texto, o Brasil cumprirá seu ideal.

Engenheiro mecânico e economista especialista em gestão, Milton Rego é presidente-executivo da Associação Brasileira do Alumínio (ABAL). Acumula mais de 20 anos de experiência em diversos segmentos da indústria
(Imagem: ABAL/DanielaToviansky)

*Artigo publicado no portal Poder 360

 

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